Uma réstia de sol entrava pela
janela da cozinha enquanto a cachorrinha abanava o rabo, tranqüila e carinhosa
ao redor dela.
O cabelo em trança descia
pelas costas seminuas.
Aparentes pelo decote de um vestido azul, jeans, frente
única.
Os ombros a mostra.
Os pés descalços.
Ele observava o corte do vestido e
as linhas do corpo dela.
Então notou que estava sem sutiã.
Admirou os seios.
Tão empinadinhos, não havia necessidade de sutiã mesmo.
Pensou.
E logo procurou
pela calcinha.
Ela havia dito que não costumava usar em casa.
Mas estava.
Viu
um fiozinho de lado.
Ficou imaginando a cor.
O vestido era justo ao longo
do corpo, mas do joelho pra baixo se abria fazendo uma espécie de babado com o
próprio tecido.
E ele ficou tentando entender aquilo.
Quando ela andava o vestido
balançava e ele tinha a impressão que quando se voltasse, de repente, haveria
castanholas em suas mãos e ela, na imaginação dele, seria uma dançarina
espanhola, a seduzi-lo.
Mas não.
O que ela tinha nas
mãos era ainda um pouco da massa do pão que ela acabava de por no forno.
E
estava em pé limpando a mesa que ainda tinha farinha e linhaça.
Ele se aproximou por trás e a
beijou nos ombros.
Um beijo molhado e demorado.
Ao
que ela sorriu.
Ele aproximou o corpo do dela,
envolvendo-a.
Ela podia sentir o calor do
seu corpo e suas mãos deslizarem por sua cintura e seu ventre enquanto ele lhe
beijava a nuca.
Ela soltou um suspiro
profundo.
Ela sentia uma atração
irresistível por ele.
Então passou as mãos ainda
sujas de pão em seu rosto e procurou seus lábios.
Ele segurou sua mão em seu
rosto e trouxe seus dedos à boca.
E comeu daquela massa fresca entranhada em
seus dedos.
Ela sentindo seus lábios
macios, seu hálito quente, sua boca úmida, se pôs a beijar-lhe a face.
Ele tinha uma pele morena de
uma textura tão macia que a fazia ter vontade de acariciá-la com o próprio
rosto.
Foi quando ele já com as mãos
cravadas em seus seios uniu sua boca na dela.
Com um beijo sedento eles se
entrelaçavam e se procuravam.
Seus corpos se necessitavam.
Cada parte se conectava.
Ela se virou para também
tocá-lo.
Mas ele a colocou em cima da
mesa.
E levantando seu vestido
passou a beijar suas coxas.
Ele adentrava.
Ela lhe acariciava a cabeça e
as costas, enquanto sussurrava manhosa:
‘Pretinho, beija meus lábios...’
E ele beijou.
Ele a beijou amorosamente.
E
depois, violentamente.
A puxou da mesa, abriu seu vestido
e beijando seus seios disse já insano:
‘Que delícia, você é toda
rosinha...’
Ela tirou sua camisa, e então
passou a beijá-lo e a despi-lo.
E ali. No chão da cozinha.
Eles se amalgamaram até o cheiro do pão tomar conta do ar.
Quem ainda irá te
desmascarar? Quem enfim
descobrirá o que está debaixo
do pano? Uma hora atrás de uma Num momento seguinte de outra Cada hora uma ideia nova Usando palavras alheias... Conquistando o redor... Usando minhas palavras minhas expressões meu jeito de rir Pra enredar mais uma... Mais uma... Sempre mais uma... Não passa de mais uma.
Quem ficará ao seu lado Esperando você acordar? Quem aguentará até o fim suas mensagens procurando Receber o amor que nunca quis dar? Alimentando sentimentos que recaem sobre quem se escolhe A la uni-duni-tê como se escolhe a meia do dia "calço a que já usei ou calço uma da gaveta?"
Solidão? Mil vezes minha solidão Sozinha A acompanhada de alguém Que se distribui Como doce Em dia de Halloween
Você se condenou A solidão de estar sempre Acompanhado Com a cabeça virada pra outro lado.
Quando a cortina fecha Você volta pra casa achando que conquistou Multidões Mas eu conheço O Intocável e Ele me mostra o que há atrás da máscara... As mentiras O egoísmo As ilusões E eu tenho dó Muita dó...
Pintura: Alfons Maria Mucha - Girl With Loose Hair And Tulips
Ela disse num tom irônico
assim que entrou no carro e colocou o cinto.
Ele deu o mesmo sorrisinho de
lado que havia dado no dia em que ela estava falando sobre uma loira que surgiu
do nada e atrapalhou o romance da amiga dela que ele nem conhecia.
Eles eram telepáticos e aquele
sorriso de lado queria dizer muito mais do que deveria.
Ela tinha ciúmes. Mas o que
poderia fazer? Eles nunca tinham sequer se beijado.
Ele saiu com o carro e ela
passou a cantarolar a música que estava rolando.
O papo fluía embora ela
falasse de mais. Ela sempre se arrependia por disparar a falar. Mas não
conseguia ser diferente. Talvez um dia ele se acostumasse. Ou quem sabe ela
mudasse.
Então ela sentou de lado e
ficou observando ele dirigir e conversar. Ela gostava de ver como ele mexia os
lábios enquanto falava. Ele tinha os lábios mais lindos que ela já tinha visto
na vida. E era muito sexy a maneira como ele os movia enquanto falava ou os umedecia.
Ele deu um sorrisinho de lado.
Levemente diferente daquele que entregava os pensamentos. Qualquer outra pessoa
pensaria que era o mesmo sorriso. Mas ela sabia que não era. Então ela sorriu
também.
‘O que foi?’
‘O quê?’
‘Eu tô falando e você fica me
olhando diferente.’
‘Só tô te observando.’
Outro sorriso.
‘Tenho até medo de te
perguntar o que tá pensando.’
‘Sou boca é muito linda.’
‘É, você disse uma vez que
minha boca é pornográfica... O que quis dizer com pornográfica? Te perguntei aquele
dia e você não respondeu.’
‘O que você quer que eu diga,
Pretinho?’
Ela disse um pouco tímida, um
pouco sem saber se escancarava a verdade, um pouco maliciosa. E com a voz já
mais sussurrada, continuou:
‘Que eu fico imaginando o que
você é capaz de fazer com essa boca? Que eu fico imaginando você me deixando
louca com essa boca na minha... em mim...?’
Ele mordeu os lábios e engatou
a terceira. Ela já tava no clima.
‘Sua boca me faz imaginar como
deve ser outras coisas em você.’
Ele entendeu, claro, como
sempre, o que ela dizia. E não conseguiu segurar o suspiro.
‘Branquinha, não fala um
negócio desse pra mim...’
‘Fico imaginando beijar muito
a sua boca até te ver louco. Então te pedir pra me deixar ver. É claro que eu
não iria aguentar só ver... você deve ser lindo de mais pra eu só te olhar...
então eu ia descer...’
Eles estavam subindo a
Eusébio. No túnel tudo ficou mais aconchegante.
‘Eu ia ficar olhando pra sua
cara... não ia tirar os olhos de você... eu não perderia nenhuma reação sua...’
Ele nunca desejou tanto que o
transito estivesse parado como desejou naquele dia. Na verdade aquele foi o
único dia na vida dele que ele desejou imensamente que a Rebouças estivesse
congestionada. Que alguma rua naquele São-Paulo-de-meu-Deus estivesse congestionada. Então ele começou a
caçar ruas congestionadas como um louco.
‘Minhas mãos te acariciariam
enquanto as suas se emaranhariam nos meus cabelos...’
Eles se olhavam. E se mordiam.
Eles eram loucos um pelo outro. Era uma química que recendia. Ardia. Exalava
feromônios.
‘E eu faria de várias formas
até encontrar a que te deixasse incontrolável... e então não pararia...’
Ela o olhava languida.
Enquanto ela falava ia imaginando a cena, e aquilo fazia seu jeito mudar, sua
voz se tornava mais aveludada. Sua face e seus lábios mais rosados.
Ele já tava querendo voar para
as marginais. Raposo Tavares. Qualquer lugar.
Mas ele queria ali. Dentro
daquele carro. Com aquelas músicas. Do jeito que ela tava falando. Ele tava enlouquecido
pra vê-la fazendo do jeito que ela quisesse. Ela toda se umedecia ao olhar pra
ele e juntos viverem a mesma vontade.
‘Eu não tiraria os olhos de
você durante seu êxtase... fico louca só de imaginar seus gemidos... suas
expressões de prazer...’
Era uma tarde de domingo. Um
feriado. Ele jamais encontraria um congestionamento.
Mas ele sabia que se
encontrasse ela faria o que estava dizendo. Ele só precisava propiciar a
situação.
‘Eu não desperdiçaria uma gota
sua... e então seria a minha vez...’
‘Ou a minha vez...’. Ele disse, sorrindo de lado, ao ver a rua deserta e o farol vermelho.
Pintura: O Beijo - Gustav Klimt (1908)
Música: Semisonic - Secret Smile
Tormenta.
Pois minha
alma
já não aguenta.
Tudo o que
preciso
É de ventos de
Consolação
Que aplaquem
minha desolação...
E me ajudem
a suportar
tanta aflição.
Você e eu sabemos a profundidade
do tempo. E que quanto mais o tempo passa, mais entornamos, boca adentro, esse
caldo de vida. Essa necessidade sufocante de vida.
Virando cada página sofrida,
encontrei versos tão lamuriosos quanto o rancor.
Onde estaremos nós depois?
Eu queria muito mais. Que tudo
fosse visceralmente mais. Que fossemos tragados pelo ardor e encontrássemos
mais.
Mas a esperança me tem dado muito
pouco. Mas tão pouco, que eu preferiria que ela nem estivesse mais aqui.