‘Então ela é loira.’
Ela disse num tom irônico
assim que entrou no carro e colocou o cinto.
Ele deu o mesmo sorrisinho de
lado que havia dado no dia em que ela estava falando sobre uma loira que surgiu
do nada e atrapalhou o romance da amiga dela que ele nem conhecia.
Eles eram telepáticos e aquele
sorriso de lado queria dizer muito mais do que deveria.
Ela tinha ciúmes. Mas o que
poderia fazer? Eles nunca tinham sequer se beijado.
Ele saiu com o carro e ela
passou a cantarolar a música que estava rolando.
O papo fluía embora ela
falasse de mais. Ela sempre se arrependia por disparar a falar. Mas não
conseguia ser diferente. Talvez um dia ele se acostumasse. Ou quem sabe ela
mudasse.
Então ela sentou de lado e
ficou observando ele dirigir e conversar. Ela gostava de ver como ele mexia os
lábios enquanto falava. Ele tinha os lábios mais lindos que ela já tinha visto
na vida. E era muito sexy a maneira como ele os movia enquanto falava ou os umedecia.
Ele deu um sorrisinho de lado.
Levemente diferente daquele que entregava os pensamentos. Qualquer outra pessoa
pensaria que era o mesmo sorriso. Mas ela sabia que não era. Então ela sorriu
também.
‘O que foi?’
‘O quê?’
‘Eu tô falando e você fica me
olhando diferente.’
‘Só tô te observando.’
Outro sorriso.
‘Tenho até medo de te
perguntar o que tá pensando.’
‘Sou boca é muito linda.’
‘É, você disse uma vez que
minha boca é pornográfica... O que quis dizer com pornográfica? Te perguntei aquele
dia e você não respondeu.’
‘O que você quer que eu diga,
Pretinho?’
Ela disse um pouco tímida, um
pouco sem saber se escancarava a verdade, um pouco maliciosa. E com a voz já
mais sussurrada, continuou:
‘Que eu fico imaginando o que
você é capaz de fazer com essa boca? Que eu fico imaginando você me deixando
louca com essa boca na minha... em mim...?’
Ele mordeu os lábios e engatou
a terceira. Ela já tava no clima.
‘Sua boca me faz imaginar como
deve ser outras coisas em você.’
Ele entendeu, claro, como
sempre, o que ela dizia. E não conseguiu segurar o suspiro.
‘Branquinha, não fala um
negócio desse pra mim...’
‘Fico imaginando beijar muito
a sua boca até te ver louco. Então te pedir pra me deixar ver. É claro que eu
não iria aguentar só ver... você deve ser lindo de mais pra eu só te olhar...
então eu ia descer...’
Eles estavam subindo a
Eusébio. No túnel tudo ficou mais aconchegante.
‘Eu ia ficar olhando pra sua
cara... não ia tirar os olhos de você... eu não perderia nenhuma reação sua...’
Ele nunca desejou tanto que o
transito estivesse parado como desejou naquele dia. Na verdade aquele foi o
único dia na vida dele que ele desejou imensamente que a Rebouças estivesse
congestionada. Que alguma rua naquele São-Paulo-de-meu-Deus estivesse congestionada. Então ele começou a
caçar ruas congestionadas como um louco.
‘Minhas mãos te acariciariam
enquanto as suas se emaranhariam nos meus cabelos...’
Eles se olhavam. E se mordiam.
Eles eram loucos um pelo outro. Era uma química que recendia. Ardia. Exalava
feromônios.
‘E eu faria de várias formas
até encontrar a que te deixasse incontrolável... e então não pararia...’
Ela o olhava languida.
Enquanto ela falava ia imaginando a cena, e aquilo fazia seu jeito mudar, sua
voz se tornava mais aveludada. Sua face e seus lábios mais rosados.
Paulista livre. Consolação
livre. Augusta. Angélica. Dr Arnaldo. Cardeal. Tudo livre.
Ele já tava querendo voar para
as marginais. Raposo Tavares. Qualquer lugar.
Mas ele queria ali. Dentro
daquele carro. Com aquelas músicas. Do jeito que ela tava falando. Ele tava enlouquecido
pra vê-la fazendo do jeito que ela quisesse. Ela toda se umedecia ao olhar pra
ele e juntos viverem a mesma vontade.
‘Eu não tiraria os olhos de
você durante seu êxtase... fico louca só de imaginar seus gemidos... suas
expressões de prazer...’
Era uma tarde de domingo. Um
feriado. Ele jamais encontraria um congestionamento.
Mas ele sabia que se
encontrasse ela faria o que estava dizendo. Ele só precisava propiciar a
situação.
‘Eu não desperdiçaria uma gota
sua... e então seria a minha vez...’
‘Ou a minha vez...’. Ele disse, sorrindo de lado, ao ver a rua deserta e o farol vermelho.
Pintura: O Beijo - Gustav Klimt (1908)
Música: Semisonic - Secret Smile
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