domingo, 25 de agosto de 2013

Um sorriso de lado e uma tarde sem transito...



‘Então ela é loira.’
Ela disse num tom irônico assim que entrou no carro e colocou o cinto.
Ele deu o mesmo sorrisinho de lado que havia dado no dia em que ela estava falando sobre uma loira que surgiu do nada e atrapalhou o romance da amiga dela que ele nem conhecia.
Eles eram telepáticos e aquele sorriso de lado queria dizer muito mais do que deveria.
Ela tinha ciúmes. Mas o que poderia fazer? Eles nunca tinham sequer se beijado.
Ele saiu com o carro e ela passou a cantarolar a música que estava rolando.
O papo fluía embora ela falasse de mais. Ela sempre se arrependia por disparar a falar. Mas não conseguia ser diferente. Talvez um dia ele se acostumasse. Ou quem sabe ela mudasse.
Então ela sentou de lado e ficou observando ele dirigir e conversar. Ela gostava de ver como ele mexia os lábios enquanto falava. Ele tinha os lábios mais lindos que ela já tinha visto na vida. E era muito sexy a maneira como ele os movia enquanto falava ou os umedecia.
Ele deu um sorrisinho de lado. Levemente diferente daquele que entregava os pensamentos. Qualquer outra pessoa pensaria que era o mesmo sorriso. Mas ela sabia que não era. Então ela sorriu também.
‘O que foi?’
‘O quê?’
‘Eu tô falando e você fica me olhando diferente.’
‘Só tô te observando.’
Outro sorriso.
‘Tenho até medo de te perguntar o que tá pensando.’
‘Sou boca é muito linda.’
‘É, você disse uma vez que minha boca é pornográfica... O que quis dizer com pornográfica? Te perguntei aquele dia e você não respondeu.’
‘O que você quer que eu diga, Pretinho?’
Ela disse um pouco tímida, um pouco sem saber se escancarava a verdade, um pouco maliciosa. E com a voz já mais sussurrada, continuou:
‘Que eu fico imaginando o que você é capaz de fazer com essa boca? Que eu fico imaginando você me deixando louca com essa boca na minha... em mim...?’
Ele mordeu os lábios e engatou a terceira. Ela já tava no clima.
‘Sua boca me faz imaginar como deve ser outras coisas em você.’
Ele entendeu, claro, como sempre, o que ela dizia. E não conseguiu segurar o suspiro.
‘Branquinha, não fala um negócio desse pra mim...’
‘Fico imaginando beijar muito a sua boca até te ver louco. Então te pedir pra me deixar ver. É claro que eu não iria aguentar só ver... você deve ser lindo de mais pra eu só te olhar... então eu ia descer...’
Eles estavam subindo a Eusébio. No túnel tudo ficou mais aconchegante.
‘Eu ia ficar olhando pra sua cara... não ia tirar os olhos de você... eu não perderia nenhuma reação sua...’
Ele nunca desejou tanto que o transito estivesse parado como desejou naquele dia. Na verdade aquele foi o único dia na vida dele que ele desejou imensamente que a Rebouças estivesse congestionada. Que alguma rua naquele São-Paulo-de-meu-Deus estivesse congestionada. Então ele começou a caçar ruas congestionadas como um louco.
‘Minhas mãos te acariciariam enquanto as suas se emaranhariam nos meus cabelos...’
Eles se olhavam. E se mordiam. Eles eram loucos um pelo outro. Era uma química que recendia. Ardia. Exalava feromônios.
‘E eu faria de várias formas até encontrar a que te deixasse incontrolável... e então não pararia...’
Ela o olhava languida. Enquanto ela falava ia imaginando a cena, e aquilo fazia seu jeito mudar, sua voz se tornava mais aveludada. Sua face e seus lábios mais rosados.
Paulista livre. Consolação livre. Augusta. Angélica. Dr Arnaldo. Cardeal. Tudo livre.
Ele já tava querendo voar para as marginais. Raposo Tavares. Qualquer lugar.
Mas ele queria ali. Dentro daquele carro. Com aquelas músicas. Do jeito que ela tava falando. Ele tava enlouquecido pra vê-la fazendo do jeito que ela quisesse. Ela toda se umedecia ao olhar pra ele e juntos viverem a mesma vontade.
‘Eu não tiraria os olhos de você durante seu êxtase... fico louca só de imaginar seus gemidos... suas expressões de prazer...’
Era uma tarde de domingo. Um feriado. Ele jamais encontraria um congestionamento.
Mas ele sabia que se encontrasse ela faria o que estava dizendo. Ele só precisava propiciar a situação.
‘Eu não desperdiçaria uma gota sua... e então seria a minha vez...’
‘Ou a minha vez...’. 
Ele disse, sorrindo de lado, ao ver a rua deserta e o farol vermelho.






Pintura: O Beijo - Gustav Klimt (1908)
Música: Semisonic - Secret Smile

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