quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cor de rosa


Uma réstia de sol entrava pela janela da cozinha enquanto a cachorrinha abanava o rabo, tranqüila e carinhosa ao redor dela.
O cabelo em trança descia pelas costas seminuas.
Aparentes pelo decote de um vestido azul, jeans, frente única.
Os ombros a mostra.
Os pés descalços.
Ele observava o corte do vestido e as linhas do corpo dela.
Então notou que estava sem sutiã.
Admirou os seios.
Tão empinadinhos, não havia necessidade de sutiã mesmo.
Pensou.
E logo procurou pela calcinha.
Ela havia dito que não costumava usar em casa.
Mas estava.
Viu um fiozinho de lado.
Ficou imaginando a cor.
O vestido era justo ao longo do corpo, mas do joelho pra baixo se abria fazendo uma espécie de babado com o próprio tecido.
E ele ficou tentando entender aquilo.
Quando ela andava o vestido balançava e ele tinha a impressão que quando se voltasse, de repente, haveria castanholas em suas mãos e ela, na imaginação dele, seria uma dançarina espanhola, a seduzi-lo.
Mas não.
O que ela tinha nas mãos era ainda um pouco da massa do pão que ela acabava de por no forno.
E estava em pé limpando a mesa que ainda tinha farinha e linhaça.
Ele se aproximou por trás e a beijou nos ombros.
Um beijo molhado e demorado.
Ao que ela sorriu.
Ele aproximou o corpo do dela, envolvendo-a.
Ela podia sentir o calor do seu corpo e suas mãos deslizarem por sua cintura e seu ventre enquanto ele lhe beijava a nuca.
Ela soltou um suspiro profundo.
Ela sentia uma atração irresistível por ele.
Então passou as mãos ainda sujas de pão em seu rosto e procurou seus lábios.
Ele segurou sua mão em seu rosto e trouxe seus dedos à boca.
E comeu daquela massa fresca entranhada em seus dedos.
Ela sentindo seus lábios macios, seu hálito quente, sua boca úmida, se pôs a beijar-lhe a face.
Ele tinha uma pele morena de uma textura tão macia que a fazia ter vontade de acariciá-la com o próprio rosto.
Foi quando ele já com as mãos cravadas em seus seios uniu sua boca na dela.
Com um beijo sedento eles se entrelaçavam e se procuravam.
Seus corpos se necessitavam.
Cada parte se conectava.
Ela se virou para também tocá-lo.
Mas ele a colocou em cima da mesa.
E levantando seu vestido passou a beijar suas coxas.
Ele adentrava.
Ela lhe acariciava a cabeça e as costas, enquanto sussurrava manhosa:
‘Pretinho, beija meus lábios...’
E ele beijou.
Ele a beijou amorosamente.
E depois, violentamente.
A puxou da mesa, abriu seu vestido e beijando seus seios disse já insano:
‘Que delícia, você é toda rosinha...’
Ela tirou sua camisa, e então passou a beijá-lo e a despi-lo.
E ali. No chão da cozinha. Eles se amalgamaram até o cheiro do pão tomar conta do ar.
Com a casa aquecida pelo forno e pelo fogo.
Cheirando a pão e a sexo.
Ele fechou carinhosamente o vestido para ela.
E quando o cheiro do café recendeu.
Eles comeram e beberam e recomeçaram.




Pintura: Aja Apa-Soura - Eclipsed
Música: Zero Assoluto - Seduto qua


segunda-feira, 26 de agosto de 2013



Quem ainda irá te desmascarar?
Quem enfim descobrirá 
o que está debaixo do pano?
Uma hora atrás de uma
Num momento seguinte
de outra
Cada hora uma ideia nova
Usando palavras alheias...
Conquistando o redor...
Usando minhas palavras
minhas expressões
meu jeito de rir
Pra enredar mais uma...
Mais uma...
Sempre mais uma...
Não passa de mais uma.

Quem ficará ao seu lado
Esperando você acordar?
Quem aguentará até o fim
suas mensagens 
procurando
Receber o amor
que nunca quis dar?
Alimentando sentimentos
que recaem sobre 
quem se escolhe 
A la uni-duni-tê
como se escolhe
a meia do dia
"calço a que já usei
ou calço uma da gaveta?"

Solidão?
Mil vezes minha solidão
Sozinha
A acompanhada de alguém
Que se distribui
Como doce 
Em dia de Halloween

Você se condenou
A solidão
de estar sempre
Acompanhado
Com a cabeça
virada pra outro
lado.

Quando a cortina fecha
Você volta pra casa
achando que conquistou 
Multidões
Mas eu conheço
O Intocável
e Ele me mostra o que há
atrás da máscara...
As mentiras
O egoísmo
As ilusões
E eu tenho dó
Muita dó...



Pintura: Alfons Maria Mucha - Girl With Loose Hair And Tulips

domingo, 25 de agosto de 2013

Valium




Não,
ele nunca te
quis
Põe isso na
tua cabeça
e seja
feliz.


Pintura: Andre Kohn


Redmer Hoekstra


Um sorriso de lado e uma tarde sem transito...



‘Então ela é loira.’
Ela disse num tom irônico assim que entrou no carro e colocou o cinto.
Ele deu o mesmo sorrisinho de lado que havia dado no dia em que ela estava falando sobre uma loira que surgiu do nada e atrapalhou o romance da amiga dela que ele nem conhecia.
Eles eram telepáticos e aquele sorriso de lado queria dizer muito mais do que deveria.
Ela tinha ciúmes. Mas o que poderia fazer? Eles nunca tinham sequer se beijado.
Ele saiu com o carro e ela passou a cantarolar a música que estava rolando.
O papo fluía embora ela falasse de mais. Ela sempre se arrependia por disparar a falar. Mas não conseguia ser diferente. Talvez um dia ele se acostumasse. Ou quem sabe ela mudasse.
Então ela sentou de lado e ficou observando ele dirigir e conversar. Ela gostava de ver como ele mexia os lábios enquanto falava. Ele tinha os lábios mais lindos que ela já tinha visto na vida. E era muito sexy a maneira como ele os movia enquanto falava ou os umedecia.
Ele deu um sorrisinho de lado. Levemente diferente daquele que entregava os pensamentos. Qualquer outra pessoa pensaria que era o mesmo sorriso. Mas ela sabia que não era. Então ela sorriu também.
‘O que foi?’
‘O quê?’
‘Eu tô falando e você fica me olhando diferente.’
‘Só tô te observando.’
Outro sorriso.
‘Tenho até medo de te perguntar o que tá pensando.’
‘Sou boca é muito linda.’
‘É, você disse uma vez que minha boca é pornográfica... O que quis dizer com pornográfica? Te perguntei aquele dia e você não respondeu.’
‘O que você quer que eu diga, Pretinho?’
Ela disse um pouco tímida, um pouco sem saber se escancarava a verdade, um pouco maliciosa. E com a voz já mais sussurrada, continuou:
‘Que eu fico imaginando o que você é capaz de fazer com essa boca? Que eu fico imaginando você me deixando louca com essa boca na minha... em mim...?’
Ele mordeu os lábios e engatou a terceira. Ela já tava no clima.
‘Sua boca me faz imaginar como deve ser outras coisas em você.’
Ele entendeu, claro, como sempre, o que ela dizia. E não conseguiu segurar o suspiro.
‘Branquinha, não fala um negócio desse pra mim...’
‘Fico imaginando beijar muito a sua boca até te ver louco. Então te pedir pra me deixar ver. É claro que eu não iria aguentar só ver... você deve ser lindo de mais pra eu só te olhar... então eu ia descer...’
Eles estavam subindo a Eusébio. No túnel tudo ficou mais aconchegante.
‘Eu ia ficar olhando pra sua cara... não ia tirar os olhos de você... eu não perderia nenhuma reação sua...’
Ele nunca desejou tanto que o transito estivesse parado como desejou naquele dia. Na verdade aquele foi o único dia na vida dele que ele desejou imensamente que a Rebouças estivesse congestionada. Que alguma rua naquele São-Paulo-de-meu-Deus estivesse congestionada. Então ele começou a caçar ruas congestionadas como um louco.
‘Minhas mãos te acariciariam enquanto as suas se emaranhariam nos meus cabelos...’
Eles se olhavam. E se mordiam. Eles eram loucos um pelo outro. Era uma química que recendia. Ardia. Exalava feromônios.
‘E eu faria de várias formas até encontrar a que te deixasse incontrolável... e então não pararia...’
Ela o olhava languida. Enquanto ela falava ia imaginando a cena, e aquilo fazia seu jeito mudar, sua voz se tornava mais aveludada. Sua face e seus lábios mais rosados.
Paulista livre. Consolação livre. Augusta. Angélica. Dr Arnaldo. Cardeal. Tudo livre.
Ele já tava querendo voar para as marginais. Raposo Tavares. Qualquer lugar.
Mas ele queria ali. Dentro daquele carro. Com aquelas músicas. Do jeito que ela tava falando. Ele tava enlouquecido pra vê-la fazendo do jeito que ela quisesse. Ela toda se umedecia ao olhar pra ele e juntos viverem a mesma vontade.
‘Eu não tiraria os olhos de você durante seu êxtase... fico louca só de imaginar seus gemidos... suas expressões de prazer...’
Era uma tarde de domingo. Um feriado. Ele jamais encontraria um congestionamento.
Mas ele sabia que se encontrasse ela faria o que estava dizendo. Ele só precisava propiciar a situação.
‘Eu não desperdiçaria uma gota sua... e então seria a minha vez...’
‘Ou a minha vez...’. 
Ele disse, sorrindo de lado, ao ver a rua deserta e o farol vermelho.






Pintura: O Beijo - Gustav Klimt (1908)
Música: Semisonic - Secret Smile

domingo, 11 de agosto de 2013

Pretinho, contigo eu poderia...



Eu poderia me envolver em teus braços
Poderia me envolver em teu cheiro
teu odor.
Deixar em ti meu cheiro
meu ardor
minha doçura
Minha loucura...
Eu poderia te molhar com
meus beijos
Molhar de paixão
os teus dedos
Poderia levantar
cedo
e te fazer um café
um cafuné
E dizer
que quero com força
que quero com gana
que quero por fogo
nessa chama
Me chama...
Porque eu poderia...
Contigo eu poderia
Incendiar
essa cama
Poderia te declamar
Sabines
com carinho
Cantar
Seu Jorge
bem mansinho
(‘se você quiser...
Se não quiser tudo bem,
Meu bem...’)
E quando
estivermos
já cansados
suados
esgotados
Entrelaçado a minha nudez
cabeça depositada em meu seio
braços envoltos em meus quadris
Quero te pegar sorrindo
dizendo
Que só eu
pra te aconchegar...
Ao que eu vou sussurrar:
tu es ma came...






Pintura: Zeus e Hera
Música: Carla Bruni - Tu es ma came



sábado, 10 de agosto de 2013

Ventos de consolação



Enfadada
Derramando
Alma adentro
poesias
angustiadas
Sem nunca
escrevê-las
Tentando
sofregamente
A libertação...
Mas são muitas
penas
muitas
mágoas
Uma alma
que é a
própria
Muralha
de Jerusalém
nos tempos de
Esdras
e Neemias
Fendida
Despedaçada
Como poderá haver
uma reconstrução?
São muitas
as minhas
falhas.
A vida
é a própria
Ilusão
E às vezes
a fé
mais parece
Uma fuga
de ventos
Mas
como não sei
de onde
Nascem
ou onde
Morrem
os ventos
Tenho fé
que minha
Fé em Deus
ainda os fará
Soprar
Onde eu
os possa
Alcançar
e lá
Descansar
de toda
essa
Tormenta.
Pois minha
alma
já não aguenta.
Tudo o que
preciso
É de ventos de
Consolação
Que aplaquem
minha desolação...
E me ajudem
a suportar
tanta aflição.


Pintura: John Everett Millais - Ophelia (1852)