Estou aqui na frente da sua casa. Tá tudo escuro, só ouço a cachorra latindo.
Você passou o endereço certo?
Mandei o endereço de chiste dizendo "me responde o email me beijando"
Oferecida.
Ele disse.
Pois tudo o que ofereço é: meu calor, meu endereço... A minha vitrolinha encefálica já pôs na agulha.
O que é a vida sem uma boa trilha sonora?
A arte existe porque a vida não basta, bem disse o poeta, aquele sujo maravilhoso.
Dei um salto corri pra sacada.
Qual a cor da fachada?
Cinza com a janela vermelha.
Claro que era mentira.
Ele viu no instagram.
Eu
numa tarde, só de camiseta, poesia e café na sacada, o tempo cálido,
uma luz de sol resplandecendo em meu corpo sem aquecer, a cachorra
aborrecida deitada do lado, cansada de me chamar pra brincar de novo, de
novo e de novo.
Dóroti.
Peguei na rua havia 9 anos.
Embora idosa, seguia alegre e brincalhona.
Também,
criada a leite de pera e ovomaltine, era uma filha mimada que não sabia
o que era limite. Até que eu fizesse um som gutural muito meu, sinônimo
claro de irritação, que fazia ela, inconformada, deitar a certa
distância com expressão evidente de insatisfação.
Suspirava e se resignava.
Voltei pra dentro como a criança que teve o doce roubado.
Desculpe a brincadeira.
Morangos, uvas, vinhos, conhaque, queijo brie, e a caixinha de chás pro café da manhã sobre o aparador da cozinha.
Vou ter que tomar o vinho sozinha?
Assim você judia de mim.
Quisera eu judiar de você. A noite inteira.
Me dá meia hora?
E o que mais você quiser.
Armei
a rede na sacada, coloquei a mesa de centro próxima, trouxe o vinho, as
taças, as frutas e o queijo, espalhei velas, acendi as luminárias na
casa, e fui procurar a playlist:
YouTube;
Playlists;
Verde.
Estavam lá, como flores em um canteiro.
Esperando.
Noites de Madagascar, quantas estrelas vi, ali, em seu olhar.
Virei as varetas dos aromatizadores.
Rescendeu o aroma adocicado, parecido com o perfume que eu usava.
Localizador.
Descendo a Rebouças.
Ah, Tecnologia, sua linda.
Trago seu amado em 10 minutos.
Mais precisa que amarração de passeio público.
Banho quente pra relaxar.
Pés descalços.
Cabelo preso num coque alto.
Vestido vinho.
Costas à mostra.
Barulho de carro.
Coração na mão, atiro a chave.
É a maior.
Abro a porta e fico no topo da escada vendo ele subir.
Roupa preta, jaqueta de couro.
Barba e cabelos cerrados.
Aquele sorriso com os dois dentes da frente despontando. Lindo.
Os olhos de um verde penumbra com semblante bondoso, mas que por um risco se acendia numa fúria-esmeralda que me deixava louca.
Dodó correu pra receber.
Um carinho e tá tudo certo.
Puxou a dona.
Santé.
Ele olha ao redor e ri.
Foi bom que te dei tempo pra preparar a cena.
Ele diz degustando meu vinho predileto que aguardava a 5 anos o momento exato.
O enredo pode até ser novela mexicana, mas pro cenário prefiro nouvelle vague.
E
delato meu amor pelo cinema francês num sorriso sem jeito, enquanto ele
me puxa pela cintura e me beija a nuca, roçando a barba, e me deixando
da cor do meu vestido.
Jaqueta jogada no sofá.
A rede nos enlaça.
Em minutos tudo no chão.
Deus nos acuda, Pablo Neruda.
A luz das velas crepitavam no rosto dele, criando um chiaroscuro, fazendo com que tudo aquilo ganhasse um ar idílico.
O que você quer de mim?
Eu quero fazer amor com você, seja lá o que isso for. Mas eu quero tântrico.
O beijo dele já era todo um coito.
E eu gemia como uma gata no cio com uma mão na nuca e a outra na cabeça dele. Ambas.
Horas.
Eu não vou aguentar.
Tudo pulsava.
A gente começou a respirar junto, e até a respiração se tornou volúpia.
Em
pelo naquela rede, o céu continha tanta estrela que não dava pra
contar. Parecia que o universo, curioso, parou ali pra contemplar duas
pessoas a se amalgamar.
Não posso mais.
Vamos pra dentro, senão vou acordar o bairro.
Ele me pega no colo e me deposita sereno na cama.
Portas fechadas.
Os olhos vidrados nele.
Branquinha, a sua pele é tão macia.
Ele começa a me morder com uma ternura lasciva, e enlouquecida imploro pra ele penetrar.
Você disse que queria tântrico.
Mudei de ideia.
Não pode mudar de ideia.
Subo em cima dele, mãos cravadas nos seios, cavalgo violenta.
O desejo é primo da ira.
Adoro ele me chupando. Não tiro os olhos do seu rosto inebriado, sua língua deslizando em mim.
Você é doce.
Ele ri e entra em ação.
Quase me arranca os cabelos.
Com força.
Eu gosto assim, com força.
Não paro de falar absurdos no ouvido dele.
Quero ver tua carinha safada enquanto goza.
Não precisou mais, logo um canto inaudito ecoou.
Tudo parou.
Seria aquilo amor?
Ele me acorda beijando meu dorso.
Que gostoso.
Me viro sorrindo as 6 da matina.
Preciso ir. Entro cedo hoje.
Ele está pronto.
Deslizo pelos pelos dele.
Que cheiroso.
É o seu cheiro.
Não é não.
Ele me olha debaixo do cobertor.
Acho que um dia não tem problema se atrasar.
Ele diz mergulhando os dedos no meu cabelo.
Acho ótimo.
Respondo num beijo profundo.
Tipo o céu e o mar desencontra, mas se tromba lá na frente.
Pintura: Egon Schiele - O abraço (1917)
Pintura: Egon Schiele - O abraço (1917)
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