sábado, 28 de julho de 2012

A maior declaração de amor


Dividiu o cabelo em duas partes. Começou a pentear de baixo pra cima, calmamente. Sempre teve cabelão. Um cabelo comprido, ondulado, castanho avermelhado. Mas só dá pra perceber que é avermelhado quando posto próximo a um cabelo castanho comum. A proximidade sempre revelando coisas. Já tava tão comprido que nem fazia ondas mais, só uns cachos nas pontas de vez em quando. Essa mania que cabelo tem de fazer o que quer e quando quer. Sempre mostrando quem é que manda. E ela penteava. Sem pressa. Sentada no colchão no chão. E ele a observava. Curioso.
Ele achava muito comprido. Talvez nem gostasse do cabelo dela. Mas não reclamava. Ele não era do tipo que reclamava das coisas. Dava idéias. Fazia comentários. Raros. Mas reclamar mesmo nunca reclamava de nada. Não tinha cabeça pra isso. Só olhava muito pra ela, principalmente enquanto conversavam. E conversavam muito. O tempo todo. Sobre tudo. Não se bajulavam. Não eram dados a declarações de amor rasgadas. Raramente diziam “eu te amo”. Não precisavam dizer nada disso mesmo. A cumplicidade permite essas coisas de nunca precisar falar do que se sente. É só sentir. Sentir não precisa de palavras. A dúvida precisa. Mas não havia dúvidas. Porque o sentir junto é telepático.
"Deixa eu pentear seu cabelo?"
"Não, você não vai saber pentear meu cabelo."
"Vou sim, deixa?"
"Não, você vai embaraçar tudo e não vai virar nada."
"Ah! Deixa de ser ruim pra mim, vou fazer igualzinho você tá fazendo..."
Ser ruim... ser ruim não podia. Quando se gosta mesmo ser ruim não faz o menor sentido.
"Tá bom! Mas é pra fazer igualzinho eu tô fazendo."
Ela fazia a durona. Mas era mais maleável que ele. Mais tarde ele teve a certeza disso.
Semblante compassivo. Olhar compenetrado. Toque suave. Ele passava o pente tão suavemente que já tava dando nervoso. Ela nunca teve paciência pra muita delicadeza. Mas tinha sido tão enérgica que agora não podia se queixar. Ele continuava dedicado. Ela já tava quase pedindo pra parar. Quando ele soltou:
"Nena, quando você tiver velhinha, bem velhinha. Eu vou pentear o seu cabelo pra você ir pra igreja."
Eles se olharam.
Ele continuou até terminar.
Ela só sorriu.
O coração contraiu e ela sorriu.
Quando você estiver velhinha, bem velhinha...
Não deu tempo.
Mas quando ela estiver velhinha, bem velhinha. E alguém perguntar qual a maior declaração de amor que ela já ouviu. Talvez eu conte essa história.

(Pintura: Wladyslaw Slewinski - Woman brushing her hair)

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