terça-feira, 29 de novembro de 2016

Ode à consagração

















Cansada dessa
Objetificação
Dessa mercantilização

É muito peito
e bunda
na banca de jornal
na televisão

O meu corpo
não é para a tua
satisfação

Por um mundo
com menos depravação
e mais
Sofisticação.


Pintura: Amedeo Modigliani - Nu couché - 1917


terça-feira, 15 de novembro de 2016

Numa avenida de São Paulo





_ Não, espera. Deixa eu te mostrar um negócio.
Ele disse no momento em que parou o carro perto de uma padaria qualquer, pra que ela pudesse comprar um famigerado doce.
Qualquer doce.
Tudo o que ela precisava naquele momento era de algo doce.
Impedida, ela voltou a fechar a porta.
Ele com o celular na mão começou a procurar um vídeo que ele tinha se referido em uma das 3 mil conversas que tiveram em menos de meia hora, sem ter concluído nenhuma.
Não fazia diferença.
Era uma sketch cômica, em que o marido estressado pedia sobremesa à mulher, e ela oferecia uma fruta.
O marido surta.
Ela surtou junto.
Onde já se viu oferecer fruta de sobremesa!?!
Por essas e outras não havia nela nenhum resquício de remorso pelo fim de seu último relacionamento.
Embora o fulano estivesse sofrendo horrores, e não fazendo questão alguma de esconder isso, o que era facilmente constatado pelas mensagens e canções que ele mandava no whatsapp. Entre outras coisas até mais relevantes para o fim, havia o fato de ele ter a pachorra de oferecer fruta de sobremesa.
Ali ela viu, que realmente, não era possível uma vida em comum com alguém, que além de fazer uso constante de psicotrópicos, considera fruta iguaria deleitosa, potencializadora de orgasmos palatais.
Foi essa definição que ela deu em meio à revolta pela proposição da mulher apática, que oferecia uma mexerica a seu marido, não menos enfadonho.
Orgasmos palatais.
Ele olhou pra cara dela, e demorou.
Seguiu o vídeo.
O marido, já histérico, enumera o que ele considera uma sobremesa decente, e ao final indaga à mulher: e você? O que você quer?
Ao que ela responde: o que eu quero? Você quer saber o que eu quero?
Ele confirma.
Então ela relata, apaticamente, como sua persona pede, uma série de práticas sexuais, nada excitantes.
Não pra ela.
Mas ela ria.
Ele gostava.
Visivelmente aquelas práticas o exacerbavam.
Nenhuma das situações, e muito menos a forma como eram descritas, eram capazes de excitá-la.
Eram frias, estéreis, maquinais, e até rancorosas.
Ela era muito romântica?
Poderiam acusá-la.
Ao final do vídeo, ele a olhou, esperando sua reação derradeira.
Mas quando ela voltou seu olhar para ele, seus olhos caíram sobre os olhos dele e deslizaram sua face, até seus lábios.
E não havia retorno.
Sua mão tocou o braço dele.
Então ela se inclinou em sua direção.
Ela vestia uma blusa preta, de manga comprida, que deixava seus ombros e colo à mostra, contrastando a cor escura da blusa com a cor extremamente clara da sua pele. Deixando-a ainda mais branca.
A saia estilo cigana (oblíqua e dissimulada?), mais curta na frente, com babados, estampada de miúdas flores vermelhas num fundo preto, e uma bota que cobria os joelhos, deixando pouco das coxas à mostra, que estavam cobertas apenas por uma meia muito fina, pó de arroz.
Estava frio.
Mas no carro era perceptível o aumento da temperatura e da respiração.
Ela não achava que ele quisesse.
Mas quando seus lábios tocaram os dele, foi como se ele já estivesse pronto.
Enquanto as mãos dele subiam por suas coxas, seus lábios e sua língua molhavam seu colo.
E ela se molhava sozinha.
Até que sussurrou:
_ A avenida está muito movimentada...
Era mentira. Não havia pedestres. Apenas alguns carros. Era domingo. Dez da noite. Algumas pessoas na padaria, do outro lado a rua. Nenhum poste de luz próximo ao carro. Seu peito palpitava num misto de insegurança e desejo.
_Você quer que eu pare? O que você quer?
_ O que eu quero? 
Ela disse, languida, descendo, com a ponta dos dedos, um pouco mais da blusa. Ele sorriu.
Com a mão no seu rosto, desceu pelo pescoço, e colo.
Já não tinha mais ar dentro do carro.
A respiração ofegante.
Ele desceu sua blusa, deixando seus seios à mostra.
Não eram grandes, mas eram muito empinadinhos, e saltavam com a palpitação do peito dela.
E ele acariciava, beijava, chupava.
Deslizava a língua e sugava seus mamilos, segurando sua nuca, fazendo ela gemer alucinadamente.
_ Tira a calcinha.
_Põe na minha mão.
Se obedeceram.
Quando ela segurou, ele, com a boca nos seus seios, introduziu os dedos.
Foi inevitável.
Ela teve um orgasmo como nunca tinha tido. Com gemidos baixos, graves, intensos.
Num suspiro último, ela inclinou mais uma vez, e colocou na boca.
Com os dedos dele entrelaçando seus longos cabelos castanhos, sentiu seu gosto.
E tudo deixou de existir.
_ Vamos na padaria? Foi pra isso que paramos aqui. Pra você comprar seu doce.
Ela olhou a padaria reluzindo do outro lado da rua.
Sua visão ainda estava turva.
Se voltou pra ele e sorriu.
Já não era preciso mais doce algum.
Já tinha sido o suficiente.
Era isso que ela queria.
E o que ele queria?
Nunca é possível saber.


Pintura: Edward Hopper - Nighthawks - 1942